Por: José de Oliveira Fernandes*
18 de fevereiro de 2019
No início do século passado a cidade portuária de Monterey na Califórnia tinha dezenas de fábricas de sardinha enlatada. Catorze delas na estrada a beira-mar chamada de Ocean View Avenue, rebatizada posteriormente de ‘Cannery Row’ (Rua das Fábricas de Sardinha Enlatada), título do romance escrito por John Steinbeck em 1945.
A Cannery Row tinha muitos personagens excêntricos imortalizados no livro de Steinbeck, premiado com Nobel de Literatura em 1962. Esta região era também o lugar onde ficavam milhares de pelicanos. Os pássaros migraram para Monterey e se fixaram ao redor das fábricas onde tinham suprimento abundante de comida. Os pescadores traziam a pesca e a limpava na beira do mar onde descartavam as sobras de peixe que serviam de farta comida para os pelicanos.
A parceria funcionou bem por décadas. E os pescadores não precisavam se preocupar com a limpeza da costa que era feita pelos pelicanos. Mas tudo mudou em meados de 1950 quando a indústria de pescados daquela região quebrou e fechou as portas.
Centenas de pelicanos ainda esperavam os pescadores voltarem do mar com a comida, mas isto não iria mais acontecer. Os pelicanos começaram a passar fome. Na vida selvagem eles mergulhavam e capturaram suas refeições. Mas depois de décadas sendo alimentados pelos pescadores, os pelicanos de Monterey tinham se esquecido de como se fazia para pescar.
A população de pelicanos de Monterey estava morrendo de fome e os especialistas tiveram uma ideia. Capturaram alguns pelicanos selvagens de outras costas da Califórnia, que sabiam pescar e os levaram para Monterey. Estes pelicanos selvagens imediatamente começaram ali a caçar sua própria comida. Os pelicanos de Monterey observaram, aprenderam e se juntaram a eles. E assim os pelicanos de Monterey foram salvos pelo bom exemplo dos pelicanos importados.
Assim como os pelicanos de Monterey, o povo brasileiro esqueceu-se de sonhar. No passado tínhamos foco (se o alvo estava totalmente certo ou errado podemos até debater). Tínhamos sonhos singelos de realização profissional, aquisição de bens, segurança. E sonhos maiores para o país, pela democracia, pela liberdade, buscas espirituais, sociais entre outros objetivos. Por exemplo, nos anos (considerados dourados) de 50, num Brasil liderado por Vargas e JK com mais de 50% de analfabetos (sic), o sonho do brasileiro médio era de estudar e conseguir uma carreira num emprego digno. Dos anos 60 a meados dos 80, no regime militar de ufanismo e ‘crescimento a qualquer custo’, com a estabilidade de renda de uma economia em crescimento liderado pela indústria e grandes obras de infraestrutura, queríamos adquirir bens de consumo duráveis em alta como automóveis, TV colorida, videocassete, eletrodomésticos etc. e dar maior conforto para a família; compras que até então eram restritas aos mais ricos. Este processo de consumo retomou sua força após o Plano Real, lançado em 1994, e o aumento do crédito.
Ai começam os anos 2000 da popularização da internet, a febre para se ter um microcomputador pessoal em casa (já substituído amplamente pelos telefones inteligentes ou “smartphones”, que muitas vezes não são utilizados inteligentemente) e o acesso ao mundo digital transformou a economia e a vida das pessoas. Não estávamos preparados! E vamos combinar que historicamente as grandes transformações ocorreram seguindo aquele ditado de que não se pode fazer um omelete sem quebrar alguns ovos. Foi assim, por exemplo, na revolução agrícola no século XVIII e na revolução industrial no século XIX.
Neste turbilhão de acontecimentos perdemos o foco e estamos nos engalfinhando em temas que não geram resultados com valor para a nossa vida e da nossa família. O brasileiro deve voltar a sonhar, precisa ter objetivos para levar as pessoas que ama e o país para frente, deixando um pouco de lado as discussões ideológicas. No passado, os “professores pelicanos” que nos ensinaram a sonhar e nos desenvolver foram os imigrantes italianos, japoneses, alemães, entre outros e até mesmo uma parcela de portugueses empreendedores. Atualmente podemos aprender com quem sabe o caminho, estando ele ou ela em qualquer parte do mundo, sem precisarmos sair da nossa casa ou cidade.
Nosso foco precisa mudar dos problemas conjunturais e direcioná-lo para o que é relevante. Gandhi já dizia você deve ser a mudança que quer ver no mundo. A vida é mais do que uma disputa política ou futebolística (a iminente, carnavalesca). Ficamos 9h por dia na internet, metade deste tempo nas redes sociais segundo a instituição We Are Social, enquanto os jovens coreanos investem 14hs por dia nos estudos. Isto faz diferença no médio e longo prazo.
Talvez uma das pistas para voltarmos a sonhar seja através do espírito empreendedor, além da educação aplicada e do trabalho duro. “Você não obtém resultados relevantes resolvendo problemas, mas explorando oportunidades” já dizia o futurólogo e escritor John Naisbitt no livro Mindset! Em outro livro, com mesmo título, a psicóloga Carol Dweck reforça necessidade de termos um “mindset” ou atitude mental progressiva (mentalidade de crescimento) para termos sucesso na vida através do “esforço que faz a ignição da capacidade humana para transformá-la em realizações”. Temos grandes desafios, mas também grandes oportunidades. Continue a usar esta poderosa ferramenta que é a internet, mas, como fizeram os pelicanos de Monterey, para ‘observar, aprender e se juntar’ aos grandes realizadores de sonhos do Brasil e do mundo.
* José de Oliveira Fernandes é administrador e atua com projetos de tecnologia educacional . É consultor na Helpeace Rede de Empreendedores www.helpeace.com.br | E-mail: fernandes @ helpeace.com